A evolução das ferramentas de design com Inteligência Artificial deixou de ser um experimento futurista para se tornar parte do dia a dia de designers, profissionais de marketing e criadores de conteúdo. Recursos como geração automática de imagens, variações infinitas de layouts e até replicações de estilo já não surpreendem mais. Na verdade, eles definem um novo padrão de produtividade e expectativa de mercado. Com a chegada das atualizações recentes do Canva, acompanhadas de campanhas de grande visibilidade como as estreladas por Xuxa e Gracyanne, o debate deixou de ser técnico e passou a ocupar um espaço social: afinal, quem é o autor de uma arte criada por IA? O designer que orienta? O sistema que gera? A empresa que fornece o modelo treinado? E, ampliando ainda mais a discussão, até que ponto esse processo preserva a originalidade, o valor criativo e a ética necessária no uso de imagem e dados de terceiros?
Essas perguntas não são abstratas, elas impactam diretamente contratos, entregas, identidade de marca, responsabilidade legal e as práticas de quem trabalha com comunicação. Em meio ao entusiasmo com a automação e a eficiência, cresce também a necessidade de entender os limites, riscos e oportunidades que surgem quando tecnologia e criatividade se fundem. Este artigo mergulha nesses pontos para que profissionais possam adotar IA de forma segura, estratégica e ética, mantendo a autoria humana como diferencial, não como detalhe secundário.
O que mudou: ferramentas de design com IA e recursos recentes do Canva
Principais funcionalidades e novidades do Canva
O Canva deixou de ser uma ferramenta apenas de edição e passou a operar como um hub completo de criação com IA. Recursos como Text-to-Image e Magic Media permitem gerar imagens, vídeos e variações de estilo a partir de um simples prompt, eliminando a necessidade de bancos de imagem ou produção externa. O Magic Design cria layouts completos, texto, tipografia e composição, com base em uma descrição, enquanto ferramentas como Magic Edit, Magic Expand e Magic Eraser possibilitam ajustes rápidos, que antes exigiam softwares avançados. Tudo isso é integrado no Magic Studio, tornando o fluxo de edição e experimentação mais direto e centralizado.
Impacto prático para times de criação
Na rotina de designers, agências e equipes de social média, essas novidades significam velocidade e escala. A produção de artes, variações e testes A/B acontece em minutos, reduzindo custos e tempo operacional. Times pequenos conseguem entregar mais sem aumentar carga de trabalho, e profissionais experientes ganham autonomia para focar em direção criativa enquanto a IA cuida das tarefas repetitivas. Além disso, a unificação de paleta, estilo e variação automática de formatos facilita a criação consistente de campanhas multiplataforma, algo essencial para marcas que precisam manter identidade visual sólida em alta frequência de publicação.
Casos recentes que geraram debate (campanhas com Xuxa e Gracyanne)
As campanhas recentes do Canva no Brasil, estreladas por Xuxa Meneghel e Gracyanne Barbosa, reacenderam o debate sobre transparência, direitos de imagem e limites éticos no uso de IA para criação publicitária. No caso de Xuxa, a campanha “Só para Adultinhos” apresentou produtos fictícios gerados por IA, destacando como a plataforma cria imagens, objetos e conceitos que parecem reais. Já com Gracyanne, a ação “Faz Bonito” simulou o lançamento de uma marca fictícia de ovos gourmet, os “Gracyovos”, com identidade visual, vídeos e embalagens criadas inteiramente dentro do Canva.
A campanha viralizou porque muitos acreditaram que a marca realmente existia antes da revelação, levantando discussões sobre o quanto IA pode confundir o público quando não há clareza sobre o processo criativo. Esses casos deixaram uma lição imediata para o mercado: ao usar imagens de celebridades ou criar produtos fictícios com realismo gerado por IA, é essencial comunicar de forma transparente, respeitar direitos de imagem e deixar explícito quando um conteúdo é produzido artificialmente, para evitar interpretações equivocadas e garantir responsabilidade ética no design.
Originalidade vs. geração derivada: o problema ético e técnico
A ascensão das IAs generativas trouxe uma tensão inevitável entre o que pode ser considerado realmente original e o que é apenas uma recombinação de obras já existentes. Como esses modelos são treinados em grandes bases de imagens, textos e estilos produzidos por humanos, o conteúdo gerado nunca surge “do zero”: ele é derivado estatisticamente de padrões aprendidos, até porque, no mundo das ideias e das coisas, não há originalidade genuína. Tudo é alicerçado em “um já feito ou já dito”. Isso cria um desafio ético e técnico, porque o designer que usa IA pode acreditar estar criando algo novo, quando na prática está remixando referências que pertencem a terceiros.
Além disso, técnicas como prompt engineering amplificam essa discussão, já que diferentes instruções podem aproximar o resultado de estilos reconhecíveis ou até de artistas específicos. Tal fato limita a capacidade de reivindicar originalidade plena e abre questões sobre autoria, direitos autorais e até plágio não intencional. O ponto central é que a IA acelera a criação, mas não elimina a necessidade de consciência crítica: entender de onde vêm esses dados, como eles são combinados e qual o limite entre inspiração e apropriação é essencial para qualquer profissional que queira usar tecnologia sem comprometer credibilidade e integridade criativa.
Autoria e direitos autorais: quadro legal e incertezas atuais
A legislação de direitos autorais vigente no Brasil, Lei 9.610/1998, protege “as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte”, desde que resultem de um processo criativo humano. Isso significa que obras geradas exclusivamente por ferramentas de IA, sem contribuição criativa significativa de uma pessoa física, encontram-se numa zona legal cinzenta: a própria IA não é reconhecida como “autor”, pois não possui personalidade jurídica ou consciência criativa.
Diversos estudos e análises jurídicas apontam para essa lacuna normativa. Por exemplo, revisões acadêmicas mostram que a atribuição de direitos autorais a obras criadas por IA desafia noções tradicionais de autoria e originalidade, uma vez que a IA pode combinar, remixar ou transformar dados de obras humanas preexistentes sem que haja “criação consciente”.
Em âmbito internacional, as respostas variam. Alguns países ou jurisdições (como o Reino Unido) já consideram que a pessoa que “opera a IA”, ou seja, quem fornece o prompt, define parâmetros e faz curadoria, pode ser reconhecida como autora, desde que haja contribuição humana significativa. Por outro lado, em sistemas mais rígidos (como o dos EUA), decisões recentes confirmam que obras produzidas inteiramente por IA, sem intervenção humana real, não são elegíveis para proteção autoral.
Esse cenário jurídico incerto gera desafios práticos para profissionais de design, agências e clientes, especialmente quando a peça final se baseia fortemente em IA, o que nos leva a uma reflexão importante diante de campanhas publicitárias recentes. Quando uma plataforma de design com IA dita que “qualquer um pode criar sua própria marca do zero”, como ocorreu com a campanha do Canva com Gracyanne Barbosa, o discurso vende a ideia de autonomia e empoderamento criativo. No entanto, na prática, esse discurso pode desvalorizar o trabalho de profissionais especializados (designers, diretores de arte, criativos), e ao mesmo tempo mascarar incertezas sobre autoria, originalidade e direitos autorais.
Além disso, reproduzir essa lógica de “marca criada com IA + celebridade” pode fomentar uma mentalidade de desvalorização do design profissional, tornando trabalhos que exigem técnica, originalidade e consistência visual meros “prompts de IA”, reduzindo a percepção de valor e legitimidade da autoria humana.
Boas práticas no processo criativo com IA (fluxo, documentação e checkpoints)
Equipes que usam IA precisam manter um fluxo claro e documentado: registrar prompts importantes, identificar a origem de todos os assets usados, guardar versões intermediárias e assegurar que a última etapa tenha revisão e decisão humana.
Também é fundamental confirmar a autorização de uso de imagem, voz ou estilo de terceiros. Checklists simples e políticas internas ajudam a padronizar o processo, e modelos curtos podem ser incluídos em briefings e contratos para definir responsabilidades, limites de uso da IA e quem detém a propriedade final das entregas.
Transparência e ética na comunicação com o público e clientes
Ser claro sobre o uso de IA deixou de ser opção e virou uma prática de confiança. Informar quando uma peça foi criada total ou parcialmente por IA evita percepções de engano e reduz riscos de crise, especialmente em campanhas que envolvem pessoas reais, marcas sensíveis ou mensagens institucionais. A transparência pode aparecer em pequenos rótulos (“Imagem gerada com auxílio de IA”), notas de rodapé em anúncios, ou menções no descritivo de peças digitais. Para clientes, vale indicar no relatório de entrega quais etapas tiveram intervenção humana e quais foram automatizadas, reforçando que a responsabilidade criativa permanece com a equipe.
Esse tipo de aviso simples aumenta a credibilidade, ajuda a alinhar expectativas e demonstra maturidade no uso da tecnologia, fortalecendo a reputação da marca a longo prazo.
Como integrar IA sem perder diferencial humano: estratégias criativas e profissionais
A verdadeira vantagem competitiva não está em simplesmente usar IA, mas em como se usa. A tecnologia acelera rascunhos, amplia possibilidades visuais e reduz tarefas repetitivas, mas o diferencial continua sendo a curadoria humana: interpretar contexto, entender público, direcionar estética, identificar nuances culturais e traduzir identidade de marca em escolhas que nenhuma IA compreende sozinha. Direção de arte, refinamento manual, ajustes narrativos, seleção de referências e decisões conceituais são etapas em que o toque humano transforma um output genérico em algo autoral, coerente e realmente criativo.
Para equipes, a estratégia mais sólida é tratar a IA como multiplicadora de possibilidades. Isso significa usar modelos para explorar caminhos rapidamente, gerar variações, testar estilos e acelerar prototipagens, e depois aplicar edição fina, criar conexões originais, ajustar detalhes que reforçam propósito e garantir consistência com a identidade da marca. Esse processo híbrido aumenta a velocidade sem comprometer a profundidade.
Assim, a autoria se torna defensável: o profissional não apenas aceita o que a IA entrega, mas conduz, seleciona, refina, interpreta e assina o resultado. O valor criativo permanece no olhar humano, e a IA funciona como extensão da capacidade artística, não como substituta.



